A relação histórica e atual entre o Brasil e a África é o ponto de partida para Echoes in the Present (‘Ecos no Presente’), uma seção criada para a edição de 2025 da Frieze London. Uma das principais feiras de arte contemporânea do mundo, ela é realizada anualmente no Regent’s Park, em Londres. Desta vez, o evento teve início ontem (15) e vai até o dia 19 de outubro.
Em 2025, a seção Echoes in the Present ganha um significado ainda mais simbólico. Isso porque acontece no Ano Cultural Brasil–Reino Unido (2025–2026). O período de eventos é promovido pelo British Council e pelo Instituto Guimarães Rosa. A comemoração é dos 200 anos de relações diplomáticas entre as duas nações.
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Com curadoria da historiadora de arte nigeriana Jareh Das, o espaço reúne oito galerias, com dez artistas. Entre elas, Simões de Assis, com sede em Curitiba e unidade em São Paulo; Nara Roesler e Fortes D’Aloia & Gabriel, de São Paulo; Mitre Galeria, de Belo Horizonte; a londrina Tafeta; Jahmek Contemporary, de Luanda, na Angola; além de Galerie Atiss Dakar e Selebe Yoon, ambas de Dacar, no Senegal.
Já a seleção de artistas inclui Bunmi Agusto (Tafeta), Serigne Mbaye Camara (Galerie Atiss Dakar), Diambe (Simões de Assis), Mélinda Fourn e Naomi Lulendo (Selebe Yoon), Lilianne Kiame e Sandra Poulson (Jahmek Contemporary), Aline Motta (Mitre Galeria), Alberto Pitta (Nara Roesler) e Tadáskía (Fortes D’Aloia & Gabriel).
“O projeto trata de uma história compartilhada de movimento e memória. A exposição questiona: ‘Sobre o que podemos falar neste momento contemporâneo que vai além [de simplesmente explicar] o tráfico transatlântico de escravos?’”, diz a curadora Jareh Das ao The Art Newspaper.
Memória como tema central da exposição
Segundo a galeria Nara Roesler, a seção explora as conexões entre artistas brasileiros e africanos e suas diásporas. De acordo com a instituição, ambos têm laços enraizados em histórias compartilhadas. Além disso, em comum, haveria a marca pelo deslocamento forçado de povos africanos através do Atlântico e sustentados por um intercâmbio cultural contínuo.
Não à toa, segundo o Merriam-Webster Dictionary, “diáspora” que tem origem no grego, surgiu como um termo que designava a dispersão dos judeus fora da Palestina. Com o tempo, porém, passou a se referir a grupos que vivem fora de sua terra natal, mas preservam laços identitários e culturais.
Ao The Art Newspaper, Jareh Das afirma que percebeu esse movimento de troca mútua ao crescer na Nigéria, na África, na década de 1990.
“Havia referências à cultura brasileira por meio da comida e dos sobrenomes das pessoas. Mais tarde, passei a compreender os escravizados da Yorubalândia [região cultural da África Ocidental], que foram removidos à força e levados para o Brasil, e depois retornaram à Nigéria como escravos libertos”.
A curadora destaca que a memória é um tema central da exposição, o que, de fato, faz jus ao seu título. “Quando há esse deslocamento de um passado, de uma história, de uma história de origem, onde muito [do que se conta] se transmite pela tradição oral, em algum momento surgem lacunas nessa recontagem Muitas das obras reconhecem essas lacunas e criam narrativas que ressaltam sua presença”, explica.
De acordo com o veículo, Echoes in the Present examina como o legado dos africanos transportados para o Brasil continua a moldar as práticas artísticas de africanos, brasileiros e suas diásporas.
Alguns dos destaques da seção
A plataforma digital dedicada à arte contemporânea Artsy, sediada em Nova York, incluiu a seção Echoes in the Present em sua lista de “melhores estandes da Frieze London 2025”. Além disso, destacou o trabalho da artista brasileira Tadáskía, que também é educadora, escritora e artista visual trans.
Em 2025, Tadáskía apareceu na lista TIME100 Next, da revista Time. No destaque, entrou como uma das personalidades em ascensão mais influentes do mundo e recebeu o Prêmio Global de Arte K21, na Alemanha. Sua obra aborda a materialidade da experiência humana, explorando a transitoriedade e a multiplicidade da percepção. Isso de acordo com a consultoria especializada em arte moderna, Sophie Su Art Advisory.
Já o The Art Newspaper destaca a artista nigeriana radicada em Londres, Bunmi Agusto. De acordo com o veículo, ela mergulha na história de seu tataravô, um nigeriano que foi vendido como escravo. No entanto, depois retornou ao seu país de origem, deixando seus entes queridos. Em suas obras, a artista combina elementos históricos, espirituais e simbólicos. Seu objetivo é refletir sobre como os legados do colonialismo, o comércio transatlântico de pessoas escravizadas e os fluxos culturais entre África e Brasil continuam a moldar identidades e memórias diaspóricas.
Outro destaque apontado pelo veículo é a artista brasileira não binária Diambe. “Grande parte do meu trabalho surge da navegação entre minhas origens e onde estou agora, entre diferentes histórias que às vezes não se alinham facilmente”, diz ela. “Fui criada com histórias que sempre estiveram metade no passado e metade no presente; eram avisos, mas também formas de lembrar”, relata ao jornal.
Materiais como expressão de identidade
De acordo com o The Art Newspaper, algo que chama a atenção no trabalho dos artistas que fazem parte da seção é a variedade de materiais. Por meio deles, os criadores transmitem seus vínculos com o tema e, naturalmente, o manifestam de maneiras muito únicas.
Segundo a Sophie Su Art Advisory, Tadáskía explora materialidades leves, núcleos translúcidos e bordados como meios de tradução de experiências espirituais e identidades não binárias. Daí uma ligação ainda maior à ideia central do setor — os entrecruzamentos culturais entre Brasil e África.
Já Diambe utiliza, por exemplo, têmpera de ovo na sua pintura Infinito Inquieto Imortal (2025). O resultado é uma paisagem natural em tons de rosa, roxo, amarelo e azul. “Minha geração de artistas afro-brasileiros está interessada em reformular tradições. Para mim, isso é usar técnicas referentes a tradições [do passado]”. É assim que eles dizem, ressaltando que a têmpera de ovo chegou ao país vinda do Egito”, relata ao The Art Newspaper.
A mostra faz parte de uma onda crescente de exposições que revisitam essa história do Brasil com a África
Histórias Afro-Atlânticas, por exemplo, que aconteceu anteriormente em São Paulo em 2018, foi exibida nos Estados Unidos de 2021 a 2024, inclusive na National Gallery of Art em Washington DC. Sob direção de Adriano Pedrosa, no Brasil, o projeto marcou o ponto alto do programa “Histórias do MASP”, série de exposições temáticas criadas por ele para reescrever narrativas da arte a partir de vozes históricas marginalizadas.
Em 2024, Das também foi cocuradora de Catch the Invisible na Galerie Atiss Dakar, na capital senegalesa. Já na 36ª Bienal de São Paulo, que acontece de 6 de setembro de 2025 a 11 de janeiro de 2026, a inclusão de artistas afrodescendentes será central, com 28% dos participantes vindos da África e 25% da América do Sul, de acordo com a Fundação Bienal de São Paulo.
Cosmogonias Brasileiras, que está sendo exibida na Galerie Natalie Seroussi, em Paris, desde 4 de outubro a 20 de dezembro de 2025, segundo a Sophie Su Art Advisory, chama a atenção para o patrimônio artístico afro-brasileiro e seu diálogo contínuo com a história, a memória e a criatividade espiritual.
Por fim, também como parte da Frieze Week, acontece de 16 a 19 de outubro a 1-54 Contemporary African Art Fair, na Somerset House, explorando também a criatividade e diáspora africana.
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